Thursday, January 06, 2005

Abre a pestana

"O João Pestana vem aí.". Lembro-me do Filipe da Nô nos dizer isto, lá naquela casa deles que parecia uma selva. A casa na árvore. Ou seria a árvore dentro da casa? Nunca me preocupei, e a Nô também não. Nessa altura andavamos todos os dias de bicicleta, ali para os lados do senhor Henrique. Eram os nossos amigos, eu era pequenina. Aquela casa assustava-me. Ca em baixo era escura e cheirava a pó. Normalmente o pó não tem cheiro, faz-nos deixar de cheirar que é diferente. Mas ali o pó tinha cheiro, tinha sim eu lembro-me. Era tão abafado. Fazia-me lembrar um ambiente de selva mas ao mesmo tempo os X-Files, que eu adorava ver com o meu pai. Lá em cima era um reino dos brinquedos. E que reino. Acho que foi ali que apanhei asma. Só me lembro também da felizmina (ou essa era das vacinas?). Não sei. Só sei que não se conseguia sentar, e eu quando chegava a casa perguntava à mãe como é que ela podia jantar. Em pé? Hoje percebo que a obesidade é um problema sério. Mas eu adorava-a. Era preta, e guardava para mim as melhores batatas fritas e os melhores brinquedos. Era "a pequenina". Para ser sincera a única coisa que me chamava a atenção naquele pedaco de selva (nem eu aguentava viver ali mesmo com o meu espirito de aventura animal) eram as montanhas de livrinhos da monica. Esses é que eram mesmo poeirentos. Detestava banda desenhada, nessa altura estava a ler os maias provavelmente, mas acho que tinha uma queda para o pó, e agora sou alérgica. O que mais me afastava dali era o pastor alemão que eu achava que era um monstro, pura e simplesmente de tao sujo que estava já não se ver os olhinhos assassinos. E não tem piada nenhuma porque parecia o monstro das bolachas, mas como nao havia bolachas ali não percebi lá muito bem o que era aquele ser. So sei que tinha medo dele, isso tinha. "Vem aí o João Pestana" Foi ali que eu criei o medo pelo João Pestana. Imaginava-o com umas pestanas até ao chão para o impedir de fechar os olhos e perder uma criança que não conseguia dormir. Mas afinal o que e que fazia o João Pestana? Contava-nos historias? Nunca percebi. Mas ali naquela casa João Pestana assustava-me. Era uma casa que na altura era isoladissima e que por ser uma miniselva tinha os habitantes normais de uma selva em amostras. Ou seja era quase uma selva portatil que a Nô levava para todo o lado. So faltava ser insuflavel. Não nao tem piada. Porque ela chegava la supostamente para nos aconchegar e metia-me imenso medo com essa historia de Joao Pestana. E ficava acordada a noite toda com a lua projectada na janela nos livrinhos da monica, no cubiculo que era aquele quarto, mas onde cabiamos todos: 4 raparigas e 1 rapaz, não sei como. Aposto que agora nem lá cabia. Imagino a pretinha das batatas-fritas. A ouvir grilos e mochos durante a noite, e a baba do "mostro" a cair nas folhas caidas. E o portao ferrugento a cair constantemente. Passaram os anos, eles mudaram-se para o brasil. Vinham de vez em quando, contar as suas aventuras no parque da monica na brasilia. Inveja aos magotes vos digo! Mas crescemos e nunca mais me aproximei da arvore na casa. Tenho de la ir um dia destes, e tudo porque durante anos o mito do Joao Pestana me perseguiu. Ai ai Joao Pestana..

2 comments:

s said...

João Pestana... para mim era um gnomo, muito forte, porque tinha um saco onde levava os mesninos que não queriam dormie, levava-os para um sítio qualquer muito longe e metia-os num caldeiraão com uma coisa cor-de-laranja fumegante e com bolhas. Aí, quando perguntavamos onde estavam os nossos pais eles diziam que nunca mais nos iam encontrar. Também eu fui aterrorizado pelo João pestana e o seu hábito castanho. Era secalhar porque nunca fui muito dado a adormecer. Eu Tinha o candeeiro, ou, quando a minha mae o tirava pa ver se eu me deitava mais cedo, uma lanterna, debaixo do lençol e lia, lia lia, de pernas cruzadas, até me doer o pescoço. Lia Tio Patinhas, daqueles grandes, com numeração romana. Era aí ou na Casa-de-banho, mas isso é outra história.

Jagoz said...

Mais uma «jagoz» de Lisboa. Confesso que estava à espera de mais referências à Ericeira...

PS - A fotografia da página principal foi tirada em frente à minha casa.