Wednesday, July 19, 2006

eu sou portuguesa

Eu sei bem de quem vou sentir saudade, quem vou recordar; ou dos lugares que agora proclamo, ou as escuridões que me assombram. Não será assim tão difícil, as pessoas pensam que temos de dizer nossas uma série de coisas, mas enganam-se. Há coisas que simplesmente estão por aí, nem sabem pensar ou recorrer a calafrios sempre que o que amam lhes toca, já nós temos esses calafrios sempre que nem sabemos encher o peito de ar, ou quando ele nos toca.

Não são muitas na verdade, as pessoas que ansearei por voltar a ver; os lugares vão ser mais poderosos que a pele ardente, o cheiro a mar mais forte que as almas portuguesas, a rua do patrocínio a casa que substituirá as falsas amizades que prometem assombrar-me enquanto permaneço aqui. Lá em Almada nem pensei muito nisso, o espírito de união só me absorveu quando o tempo da despedida afundou a pousada numa chama de compreensão; o fado, a ponte, o rio, as actividades só agora caiem no meu espírito. Comecei a proclamar conformismo desde que me abandonaste; hoje já não o proclamo. A Mafalda diz que é receio, eu sei que é tudo menos conformismo. Ela diz também que te telefonava e estavas aqui no minuto a seguir, qual fonte num pranto desalmado. Eu não sei, não me sinto tão segura nesses confortos de que já me deixei há muito. Tem-me apetecido mandar mensagem que dite o que sinto, mas já não sei dizer o que sinto, já não consigo libertá-lo. Um cativa-me, um sinto a tua falta não me parecem adequados, e mesmo que o fossem não me sinto confortável em dizer o que acho que não sinto.


Melancolia suprema, não sei que mais espelho me falta senão que tantas palavras estão em mim como lágrimas me dançavam nos olhos há dois anos. É pouco mas enche-me a alma; não há senão criatura mais abominável que a necessidade de detestar o amor como maneira de o deixar longe de um coração que só pulsa de dor.


"Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar - ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas."

Bernardo Soares, em o Livro do Desassossego

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