Saturday, October 21, 2006

"449.

Há mágoas íntimas que não sabemos distinguir, por o que contêm de subtil e de infiltrado, se são da alma ou do corpo, se são o mal-estar de se estar sentindo a futilidade da vida, se são a má disposição que vem de qualquer abismo orgânico - estômago, fígado ou cérebro. Quantas vezes se me tolda a consciência vulgar de mim mesmo, um sedimento torvo de estagnação inquieta! Quantas vezes me dói existir, numa náusea a tal ponto incerta que não sei distinguir se é um tédio, se um prenúncio de vómito! Quantas vezes...
Minha alma está hoje triste até ao corpo. Todo eu me doo, memória, olhos e braços. Há como que um reumatismo em tudo quanto sou. Não me influi no ser a clareza límpida do dia, céu de grande azul puro, maré alta parada de luz difusa. Não me abranda nada o leve sopro fresco, outonal como se o estio não esquecesse, com que o ar tem personalidade. Nada me é nada. Estou triste, nas não com uma tristeza definida, nem sequer com uma tristeza indefinida. Estou triste ali fora, na rua juncada de caixotes.
Estas expressões não traduzem exactamente o que sinto porque sem dúvida nada pode traduzir exactamente o que alguém sente. Mas de algum modo tento dar a impressão do que sinto, mistura de várias espécies de eu e da rua alheia, que, porque a vejo, também, de um modo íntimo que não sei analisar, me pertence, faz parte de mim.
Quisera viver diverso em países distantes. Quisera morrer outro entre bandeiras desconhecidas. Quisera ser aclamado imperador em outras eras, melhores hoje porque não são de hoje, vistas em vislumbre e colorido, inéditas a esfinges. Quisera tudo quanto pode tornar ridículo o que sou, e porque torna ridículo o que sou. Quisera, quisera... Mas há sempre o sol quando o sol brilha e a noite quando a noite chega. Há sempre a mágoa quando a mágoa nos dói e o sonho quando o sonho nos embala. Há sempre o que há, e nunca o que deveria haver, não por ser melhor ou por ser pior, mas por ser outro. Há sempre..."

Bernardo Soares em o Livro do Desassossego

3 comments:

Mary said...

Não estejas assim triste minha pequenina, porque eu vou estar ai, no teu corção, mesmo sempre aqui dentro do meu. Mesmo nestes dias que me arrefecem a alma, de frio infinito e calor que teima em não entrar. E eu gosto de ti, mesmo ai ao fundo, porque em cada momento de saudade o meu pensamento poisa em ti, tipo borboleta, e depois já não me descolo mais, fico só ali, a espera, naquele aeroporto de anseadade.
Curto de ti M.
Aqui ou ai. Sempre.
No coração. Prometo.

Anonymous said...

madalena, tens 17 anos, é a vida que tens pela frente, nao a morte! aproveita as oportunidades que tens e diverte-te! que é feito da miuda que ria ate eu ir pa rua nas aulas? sei la...toda a gente fica melhor feliz, e tu nao es excepçao! e afinal que mal tao grande é que o mundo te fez para tanta lamuria? nao leves a mal, digo-te isto como amigo... beijinhos

francisco leal

Catharina said...

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